domingo, 11 de outubro de 2009

Lenda de Hórus

                                
Hórus, mítico soberano do Egipto, desdobra as suas divinas asas de falcão sob a cabeça dos faraós, não somente meros protegidos, mas, na realidade, a própria incarnação do deus do céu. Pois não era ele o deus protector da monarquia faraónica, do Egipto unido sob um só faraó, regente do Alto e do Baixo Egipto? Com efeito, desde o florescer da época história, que o faraó proclamava que neste deus refulgia o seu ka (poder vital), na ânsia de legitimar a sua soberania, não sendo pois inusitado que, a cerca de 3000 a. C., o primeiro dos cinco nomes da titularia real fosse exactamente “o nome de Hórus”. No panteão egípcio, diversas são as deidades que se manifestam sob a forma de um falcão. Hórus, detentor de uma personalidade complexa e intrincada, surge como a mais célebre de todas elas. Mas quem era este deus, em cujas asas se reinventava o poder criador dos faraós? Antes de mais, Hórus representa um deus celeste, regente dos céus e dos astros neles semeados, cuja identidade é produto de uma longa evolução, no decorrer da qual Hórus assimila as personalidades de múltiplas divindades.




Originalmente, Hórus era um deus local de Sam- Behet (Tell el- Balahun) no Delta, Baixo Egipto. O seu nome, Hor, pode traduzir-se como “O Elevado”, “O Afastado”, ou “O Longínquo”. Todavia, o decorrer dos anos facultou a extensão do seu culto, pelo que num ápice o deus tornou-se patrono de diversas províncias do Alto e do Baixo Egipto, acabando mesmo por usurpar a identidade e o poder das deidades locais, como, por exemplo, Sopedu (em zonas orientais do Delta) e Khentekthai (no Delta Central). Finalmente, integra a cosmogonia de Heliópolis enquanto filho de Ísis e Osíris, englobando díspares divindades cuja ligação remonta a este parentesco. O Hórus do mito osírico surge como um homem com cabeça de falcão que, à semelhança de seu pai, ostenta a coroa do Alto e do Baixo Egipto. É igualmente como membro desta tríade que Hórus saboreia o expoente máximo da sua popularidade, sendo venerado em todos os locais onde se prestava culto aos seus pais. A Lenda de Osíris revela-nos que, após a celestial concepção de Hórus, benção da magia que facultou a Ísis o apanágio de fundir-se a seu marido defunto em núpcias divinas, a deusa, receando represálias por parte de Seth, evoca a protecção de Ré- Atum, na esperança de salvaguardar a vida que florescia dentro de si.



Receptivo às preces de Ísis, o deus solar velou por ela até ao tão esperado nascimento. Quando este sucedeu, a voz de Hórus inebriou então os céus: “ Eu sou Hórus, o grande falcão. O meu lugar está longe do de Seth, inimigo de meu pai Osíris. Atingi os caminhos da eternidade e da luz. Levanto voo graças ao meu impulso. Nenhum deus pode realizar aquilo que eu realizei. Em breve partirei em guerra contra o inimigo de meu pai Osíris, calcá-lo-ei sob as minhas sandálias com o nome de Furioso… Porque eu sou Hórus, cujo lugar está longe dos deuses e dos homens. Sou Hórus, o filho de Ísis.” Temendo que Seth abraçasse a resolução de atentar contra a vida de seu filho recém- nascido, Ísis refugiou-se então na ilha flutuante de Khemis, nos pântanos perto de Buto, circunstância que concedeu a Hórus o epíteto de Hor- heri- uadj, ou seja, “Hórus que está sobre a sua planta de papiro”. Embora a natureza inóspita desta região lhe oferecesse a tão desejada segurança, visto que Seth jamais se aventuraria por uma região tão desértica, a mesma comprometia, concomitantemente, a sua subsistência, dada a flagrante escassez de alimentos característica daquele local. Para assegurar a sua sobrevivência e a de seu filho, Ísis vê-se obrigada a mendigar, pelo que, todas as madrugadas, oculta Hórus entre os papiros e erra pelos campos, disfarçada de mendiga, na ânsia de obter o tão necessário alimento. Uma noite, ao regressar para junto de Hórus, depara-se com um quadro verdadeiramente aterrador: o seu filho jazia, inanimado, no local onde ela o abandonara. Desesperada, Ísis procura restituir-lhe o sopro da vida, porém a criança encontrava-se demasiadamente débil para alimentar-se com o leite materno. Sem hesitar, a deusa suplica o auxílio dos aldeões, que todavia se relevam impotentes para a socorrer.

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